Mercado e sociedade como agentes de uma administração pública não-discriminatória, inclusiva e participativa
Abstract
O diagnóstico realizado nos anos 1980/1990 acerca da crise pela qual passava a economia capitalista apontou de um modo geral para o Estado, indicando uma crise fiscal que inviabilizava o Estado de Bem-Estar Social e o keynesianismo, em suas diferentes formas. As taxas cadentes de crescimento do Produto Bruto, a inflação, o desemprego e outros problemas sócio-econômicos foram creditados a crise fiscal e os olhos reformistas se voltaram para o Estado. Uma onda de reformas do Estado correu todo o mundo e teve como centro a busca da eficiência e da relegitimação do Estado, esta última via participação da sociedade nas decisões públicas, o reconceituado controle social. A isto juntaram-se o accountability, a transparência nas decisões, a ideia da inclusão e da não-discriminação, compondo-se um modelo de administração pública que se disse adequada aos novos tempos.Na busca da eficiência, foram introduzidos na administração pública métodos e técnicas, em sua maioria oriundos da gestão privada, e para construir o controle social, a desejada participação, não-discriminacão e inclusão, foram promulgadas leis e criados fóruns e conselhos com que se contava atrair o público, incentivá-lo a se integrar nos processos decisórios e construir-se assim a cidadania. Os resultados deste esforço, trouxeram impactos positivos inegáveis, mas ficaram aquém do desejado em se tratando da efetiva participação da sociedade nos negócios públicos. O objetivo deste trabalho é, na explicação deste fato, colocar em evidência as limitações da reforma do Estado quando considerada em termos do aparelho do Estado e dos poderes formais. Pensamos que a administração pública democrática, inclusiva e participativa, sem discriminação e transparente, exige mais do que esta reforma do Estado. Exige reformas do mercado e da sociedade, cabendo dizer que a própria reforma do Estado não será bem sucedida, em seus objetivos, caso o mercado e a sociedade não passem por mudanças no mesmo sentido. Este artigo tem por objetivo realizar a crítica da diagnose da reforma do Estado e do aparelho de Estado brasileiros, como ponto de partida para uma outra proposta de reforma. Entende-se que não é possível a compreensão adequada das reais necessidades da sociedade brasileira e latino-americana, sem um diagnóstico correto da crise vivida nos anos 1980. É a isto que se quer chegar, para finalmente propor a reforma necessária. A reforma do Estado no Brasil teve evidente inclinação de fundo privatista. Como disse Bresser-Pereira, então dirigente da reforma, o mercado é o melhor dos mecanismos de controle [das ações do Estado], já que através da concorrência obtêm-se, em princípio, os melhores resultados com os menores custos e sem a necessidade do uso do poder . Foi sob a concepção de que havia uma crise do Estado a ser debelada e que a gestão privada é o modelo adequado para o setor público que governos centrais da AL executaram programas de privatizações e delegações. Mudanças organizacionais tipo gestão por processo e modernizações na governança como a ênfase nas metas foram introduzidas no serviço público. A extinção do MARE, Ministério responsável pela reforma e dirigido por Bresser-Pereira, de 1995 a 1998, significou um desestímulo a novas mudanças. O desestímulo pareceu maior no governo Lula, eleito criticando as privatizações e o que se verificava em torno delas. Mas, quando o olhar se volta para os Estados federativos do Brasil e para medidas recentes da Presidente atual, Dilma Roussef, percebe-se que não se interrompeu o avanço nos planos ideológico e prático, onde a vitória da reforma se deu profundamente. Nos Estados federativos, em especial os grandes Estados brasileiros, a ideia mater de que a administração privada deve ser benchmark para todo o setor público, inclusive toda a área social e de serviços públicos, continua vigorosa, seja porque uma geração de policy makers e formuladores em geral se formaram sob as concepções reformistas, seja porque alguns dos principais operadores do antigo MARE ocuparam cargos importantes nas secretarias de governo estaduais. Algumas propostas incipientes, como as Organizações Sociais, tomaram forma e avançam efetivamente nos Estados federativos brasileiros. Esta discussão é necessária como alerta e como exemplo para experiências semelhantes que se verificam no âmbito da América Latina. É neste sentido que rever os fundamentos teóricos da reforma e examinar o quanto eles são equivocados e induzem a erros, ganha relevância. É a partir da crítica a estes fundamentos, identificados no que se denominam, neste artigo, as quatro teses da reforma, que são propostos novos caminhos, que de fato proporcionem mudanças na direção de melhor qualidade de vida e não apenas mudanças na perspectiva dos interesses dos grupos econômicos e ideológicos que controlam o poder.