A teoria do consumidor e a teoria dos incentivos aplicadas a um plano de carreiras do serviço público brasileiro: uma abordagem sucinta
Abstract
Em setembro de 2006 a Diretoria de Gestão do Ministério da Fazenda recebeu a incumbência de elaborar uma proposta de um novo modelo de gestão dos recursos humanos no setor público de forma a se evoluir com as negociações que vinham sendo feitas entre os sindicatos e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. As negociações estavam centralizadas unicamente no percentual de elevação dos salários, sem qualquer discussão de valor agregado. A proposta que integra este estudo não foi integralmente desenvolvida à época, mas os conceitos básicos foram apresentados e compartilhados com as equipes da Diretoria de Gestão Estratégica da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda (DIGES/MF) e de consultores da Fundação Getulio Vargas - Rio da Janeiro (FGV-RJ). A proposta consistiu basicamente da associação de idéias aparentemente distintas, ou seja, da teoria do consumidor e o conceito de utilidade associada à nova teoria institucional e o conceito de incentivos, que uma vez aplicadas a um novo plano de carreira do serviço público forneceria a sustentação teórica necessária para se propor um novo paradigma de gerenciamento de recursos humanos na administração pública, evidenciando a necessidade de se construir um novo discurso de negociação com o Governo, focado na profissionalização da burocracia como forma de promover o desenvolvimento no longo prazo. As evidências teóricas foram obtidas a partir de estudos clássicos de economia e livros textos como Microeconomia Intermediária, Hal R. Varian, e Modern Microeconomics, de A. Koutsouyiannis e outros da Nova Economia Institucional como The nature of the firm e The Firm, The Market and The Law, de Ronald Coase e Institutions, Institutional Chance and Economic Performance, de Douglas North, dentre outros igualmente emblemáticos. A partir da combinação das evidências teóricas e de se constatar a importância das instituições e seus arcabouços jurídicos para a evolução das relações humanas, econômicas e sociais, procurou-se por uma argumentação sobre a necessidade de se introduzir incentivos positivos e punitivos nos contratos que regem as relações de troca a fim de se reduzir os custos de transação advindos das relações contratuais incompletas e de se coibir os eventuais comportamentos oportunistas das partes. Verificou-se que sem a adoção de uma estrutura de incentivos adequada ao público alvo por parte do principal combinada a uma percepção assimétrica de utilidade de longo prazo por parte dos agentes, os agentes rapidamente perdem o interesse na estratégia do principal e passam a se dedicar exclusivamente a uma agenda privada, em detrimento da agenda do principal. Quando estendemos este raciocínio às relações estabelecidas entre o Estado e os servidores públicos, percebemos que quando o Estado negligencia a relação com seus recursos humanos, esses rapidamente identificam oportunidades e desenvolvem maneiras não necessariamente ortodoxas de capturar benefícios públicos com motivação privada. Estes comportamentos vão desde a simples troca de carreira, por insatisfação ou desapontamento com o órgão, até a prática de nepotismo e corrupção passiva propriamente dita. A proposta de construção de um novo plano de carreira com base numa estrutura de incentivos tem então como foco principal o desenvolvimento de capacidades dentro do serviço público, de forma que essas capacidades se reflitam na qualidade dos bens e serviços produzidos pelo Estado Moderno e coíbam a captura do Estado por grupos de interesse, reduzindo-se assim, em última instância, os custos de transação econômico e social para a sociedade. Por exemplo, todas as vezes que um agente, beneficiando-se da assimetria de informação e da delegação recebida do principal, se apropria privadamente de algum bem público, ele estará contribuindo para a elevação do custo de manutenção do Estado (custo econômico) e, concomitantemente, subtraindo aquele mesmo bem ou serviço da sociedade (custo social). Se considerássemos um único agente com esse tipo de comportamento, o mesmo não impactaria significativamente nas relações de troca. Entretanto, ao se exponencializar o comportamento oportunista dos agentes, dadas as condições atuais e reais de gerenciamento dos recursos no serviço público brasileiro, há que se reconhecer que os custos econômicos e sociais continuarão crescentes e o Estado, em seus pontos de vulnerabilidade, permanecerá capturado por grupos de interesse. Desta forma, o estudo quer evidenciar que o Estado, no que tange à gestão de seus recursos humanos, é ineficiente e tem comprometido, conscientemente ou não, o processo de transformações institucionais e o desenvolvimento econômico e social do país no longo prazo. Ressalta-se que o argumento de construção de um Estado moderno passa, não somente, mas necessariamente, pela revisão dos planos de carreira do serviço público, pela revisão dos métodos de indicação ou ocupação das funções públicas e pelo desenvolvimento de uma burocracia profissionalizada, comprometida com os objetivos estratégicos de desenvolvimento do Estado brasileiro. O estudo tem a pretensão de jogar luz na questão da diferenciação das carreiras típicas de Estado, na negociação predatória e na construção do diálogo nada profissional focado nos percentuais de elevação dos salários em detrimento da profissionalização do serviço público, atualmente orquestrada pelos sindicatos e regida pela Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.