A cooperação intergovernamental no Estado composto brasileiro: análise jurídico-constitucional
Abstract
O presente texto tem como objecto a cooperação intergovernamental nos Estados compostos, ou seja, Estados que apresentam uma estrutura verticalizada de poder (federal/regional/autonómica) e elege a problemática cooperativa brasileira como opção laboratorial. A incompletude do projecto federal brasileiro desafia a doutrina jurídico-constitucional a entender o funcionamento labiríntico das relações intergovernamentais brasileiras, o que demanda uma análise criteriosa dos motivos e soluções para um tal défice. A orientação cooperativa aponta para a resolução pactuada de um problemática que afecta dois ou mais entes num Estado composto, e neste caso atende aos imperativos de democraticidade (participação/discursividade) que legitimam os projectos compostos. A cooperação também atende aos imperativos de eficiência quando os entes territoriais resolvem gerir concretos interesses e competências concertadamente, através da prestação conjunta de serviços. O compromisso constitucional de cooperação incorpora uma dimensão activa (que requer actores decididamente engajados em acções concertadas) e/ou uma dimensão passiva (que implica a moderação recíproca e a consideração dos interesses alheios). Em ambos os casos, o compromisso constitucional de cooperação controla a condução dos interesses federados e optimiza o funcionamento da totalidade do sistema composto. A teoria das relações intergovernamentais tende, actualmente, a relativizar a distribuição de competências formalmente estabelecida. A repartição inicial constitucionalmente moldada será inevitavelmente alterada porque as políticas conduzidas pelos diversos governos vão contactar e contrastar. Por isto a rigidez das listas competenciais tem sido progressivamente substituída pela flexibilidade da cooperação intergovernamental e seus arranjos funcionais que acordam responsabilidades entre os entes territoriais. Será este conjunto de pequenas negociações intra-sistémicas quem há-de manter o equilíbrio instável da federação, reforçando os laços constitutivos do foedus. Em termos genéricos, a perplexidade que nos impulsiona seria esta: como funcionalizar a cooperação intergovernamental? E em termos específicos, aqui particularmente perspectivada a problemática cooperativa brasileira, importa definir os princípios, regras e procedimentos que orientem a institucionalização de um modelo substantivo de relações intergovernamentais -pois persiste uma inquietante ausência de normas actualizadas que as disciplinem e impulsionem a cooperação. As sugestões cooperativas do constituinte brasileiro ainda não foram funcionalizadas pelo sistema político-jurídico. Tal omissão inquieta-nos porque a conformação vertical de poderes vertida na Constituição de 1988 busca fundamento precisamente nos princípios da solidariedade e da cooperação. Será este compromisso cooperativo plasmado na Lei Fundamental, e até agora negligenciado, quem há-de resgatar o adequado funcionamento da totalidade daquele sistema composto.