Instrumentalizando o exercício da ética na administração pública: empoderamento dos atores sociais por meio do sistema SIGA Brasil
Abstract
A partir da definição de ética como "os juízos de apreciação que se referem à conduta humana susceptível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal", o presente artigo explora a idéia de que, na administração pública, essa qualificação do que é bom ou ruim - ou seja, a ética - só pode ser exercitada mediante referência aos valores daqueles que são os outorgantes do poder - a sociedade. Isso quer dizer que a conduta ética na administração pública requer o estabelecimento de um processo dialógico entre os agentes da administração pública e os seus principais (os cidadãos), por meio do estabelecimento de instrumentos que permitam a efetiva interação entre o governo e a sociedade durante todo o processo da política pública - desde a definição da agenda até o controle e a avaliação de resultados. A ética, longe de constituir princípio abstrato, precisa de instrumentos concretos para seu exercício diuturno, sendo o estabelecimento desses instrumentos uma das principais tarefas do próprio poder público. Nesse aspecto, o Senado Federal tem contribuído para instrumentalizar o exercício da ética na administração pública por meio do desenvolvimento de alguns canais de democratização do acesso e da participação da sociedade na tomada de decisões governamentais. O exemplo mais paradigmático desse esforço foi o desenvolvimento do sistema SIGA Brasil, que promoveu o empoderamento dos atores sociais por meio do acesso irrestrito, pela Internet, a qualquer informação de caráter orçamentário e financeiro que tenha sido objeto de atos da administração pública. Nada é mais sensível ao debate ético do que o orçamento público e iniciativas como essa têm contribuído para colocar o Brasil em 8§ lugar no ranking dos países mais transparentes na gestão dos recursos públicos. A implantação do SIGA Brasil passou a permitir que qualquer cidadão, de qualquer parte do mundo, visualizasse com elevado grau de detalhe as transações financeiras do governo federal, as emendas parlamentares e os repasses efetuados a cada um dos 5.560 municípios, por meio de uma ferramenta de trabalho amigável e, ao mesmo tempo, robusta. Foi um avanço considerável, mas continuava se tratando de uma via de mão única, em que um poder constituído - o Senado Federal - concede à sociedade um serviço definido unilateralmente. Quando se do exercício da ética na administração pública pelo empoderamento da sociedade, contudo, fala-se de uma interlocução, um diálogo entre as partes. Como avançar do Estado que tutela para o Estado que dialoga? Após a implementação e disponibilização do SIGA Brasil à sociedade, o Senado foi procurado por entidades que faziam o acompanhamento de políticas públicas específicas e cujo foco de atuação não era o Orçamento Geral da União em sentido amplo, mas os inúmeros "orçamentos" que esse grande orçamento continha. Estavam interessados, por exemplo, no orçamento da mulher, no orçamento da criança, no orçamento da segurança alimentar, no orçamento da saúde e assim por diante. Essas entidades colocavam diante de nós o desafio de estabelecer mecanismos reais para favorecer as trocas de informações e os trabalhos de parceria entre um órgão público - o Senado Federal - e a sociedade civil organizada. Mas, o que é o orçamento da mulher? O que é o orçamento da criança? Como estabelecer uma correlação entre as ações orçamentárias e as ações constantes do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres? Não há, no jargão orçamentário, essa forma de classificação. O desafio foi colocado e enfrentado por meio da parceria entre o Senado Federal e a sociedade civil organizada, com resultados surpreendentes.