Gestão por resultado no serviço público brasileiro: limites e possibilidades
Abstract
As reformas do Estado e da Administração Pública ocuparam durante os anos 1980 e 1990 lugares destacados na agenda dos governos latino-americanos. Decorridos quase vinte anos de esforços reformistas, o balanço, ao menos no caso brasileiro, parece decepcionante. Apesar de sucessos eventuais, nas áreas de controle dos gastos e arrecadação tributária, o saldo da onda de mudanças ficou bem aquém do desejável no que respeita a melhoria da qualidade na prestação de serviços públicos, especialmente nas áreas sociais - educação, saúde, assistência social e previdência - e de infra-estrutura. As explicações para o fracasso são as mais variadas, ora enfatizando o desenho inadequado das políticas de reforma, ora os erros em seu gerenciamento, ora a existência de obstáculos institucionais ou a resistência dos burocratas e políticos.Estudos recentes passaram a realçar o papel da cultura organizacional das organizações estatais como um dos principais fatores de inibição das mudanças. O texto aqui apresentado inscreve-se na vertente culturalista. Sugere que os esforços de reforma fracassam no Brasil porque os defensores e gestores das reformas partilham uma visão comum do Estado e do mundo social, marcada pelo paternalismo, clientelismo, formalismo e autoritarismo, a qual contamina a concepção e a prática das políticas de mudança por eles preconizadas no setor público estatal. Em função disso, as reformas propugnadas desencadeiam uma sadia reação de ceticismo e até mesmo de antagonismo por parte dos servidores públicos situados nos níveis hierárquicos mais baixos, sem os quais qualquer mudança simplesmente não acontece, e dos cidadãos dos degraus mais baixos da pirâmide social. Trata-se de ações e reações condicionadas por representações culturais e práticas vigentes na sociedade brasileira desde a colonização, as quais se cristalizaram no processo de formação do Estado nacional, ao longo do século XIX. Investigar a gênese dessas representações e das práticas por elas orientadas indica que as políticas reformistas e as controvérsias por elas desencadeadas estão diretamente vinculadas ao esforço de elites políticas e administrativas para impor aos demais grupos sociais determinados modelos de organização do Estado e de suas relações com a Sociedade. Examinar as representações e as práticas dos construtores do Estado nacional brasileiro, no século passado, oferece a oportunidade de entender possíveis linhas de continuidade e ruptura no pensamento das elites políticas brasileiras, seus efeitos sobre as invenções institucionais, os limites de tais criações e as razões para a sua falta de efetividade ou credibilidade. Destaque-se também que centrar o estudo do século XIX não é um mero exercício de história, mas uma tentativa de investigação arqueológica das representações dos grupos dirigentes do Brasil. Se o Brasil parece continuar sempre o mesmo, apesar de tantas mudanças, uma explicação plausível pode residir na continuidade de velhas concepções de mundo social.