Reestatização e democratização da gestão dos serviços de água e saneamento na América Latina
Abstract
Nas últimas décadas, as sociedades latino-americanas tiveram importante parte de seus serviços e sua infra-estrutura, anteriormente considerados estratégicos e por este motivo geridas e de propriedade do Estado, privatizados. Tal estratégia não é imposta somente por domínio e coerção física como fora nas ditaduras, mas principalmente pelo consenso: o neoliberalismo é a hegemonia de um pensamento único, no qual o Estado é o vilão da história, e o mercado é a solução de todos os problemas. Vários anos de investimento público e o trabalho de milhares de pessoas de várias gerações foram entregues ao mercado. A privatização dos serviços de água e saneamento, que faz parte da hegemonia neoliberal nas sociedades latino americanas, não apenas falhou em aumentar o crescimento econômico e em melhorar a distribuição de riquezas. A gestão dos serviços privatizados excluiu grupos sociais e piorou as condições de sobrevivência das camadas mais pobres. Diante de uma situação de ameaça à própria vida e dignidade, alguns setores dessas sociedades se organizaram para frear o processo privatizador, promovendo uma dinâmica social que inclui a problematização da própria democracia e a perspectiva de uma gestão pública menos centralizada e mais democrática dos serviços. Este artigo se apóia em casos ocorridos no Uruguai e em províncias e cidades da Argentina (Tucumán, Buenos Aires, Córdoba, Santa Fe) e da Bolívia (Cochabamba, El Alto) para, a partir das categorias gramscianas de Estado ampliado e hegemonia, afirmar a existência de uma contra-hegemonia em construção no que se refere a políticas públicas de água e saneamento nos referidos contextos. Aliada a esta contra-hegemonia e à dinâmica democrática que nela se expressa, está o desafio de conceber práticas de gestão coerentes com o conceito de Estado ampliado, ou seja, que incluam a sociedade civil nas decisões sobre os serviços de saneamento e da água, um bem público.