Administrando conflitos de interesses: esforços recentes no Brasil
Abstract
Recentemente, o Presidente da República encaminhou ao Congresso Nacional brasileiro um projeto de lei que trata do conflito de interesses no exercício de cargo no Poder Executivo Federal. O projeto encontra-se atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados. Este texto apresenta uma análise desse projeto, procurando: a) situá-lo no contexto dos esforços brasileiros de gestão da ética pública, tal como vêm se desenrolando nos últimos vinte anos; b) discutir o conceito de "conflito de interesses", tal como aparece ali; e c) avaliar brevemente o impacto que pode ter no ethos da administração pública brasileira. Os esforços recentes de gestão da ética no Brasil desenvolveram-se sob o impulso de duas forças principais: o processo de impeachment que sofreu o Presidente Fernando Collor de Melo, em 1992, sob a acusação de corrupção, e o processo de reforma do Estado, iniciado ainda no governo Collor e intensificado no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-1998). A partir disso, podemos dizer que duas motivações encontram-se originalmente na base do sistema atual de promoção da ética: o combate à corrupção e o aumento da eficiência do serviço público. Essas duas motivações, de fato, estão estreitamente relacionadas, mas a persistência de problemas de corrupção, com seus efeitos políticos inevitáveis, reforçam especialmente a primeira motivação. O atual projeto de lei sobre conflitos de interesses deve ser lido nesse contexto. Outro ponto que merece análise é o próprio conceito de "conflito de interesses". Uma das razões que sustentam a apresentação do projeto de lei é a necessidade de adequação da legislação brasileira ao que está previsto em convenções internacionais de que o Brasil é signatário (em especial, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção; são relevantes também as convenções da Organización de Estados Americanos). O projeto de lei brasileiro busca incorporar o conceito de "conflito de interesses", tal como definido nessas convenções, ao ordenamento jurídico nacional. Examinar mais de perto esse conceito impõe-se para avaliar tanto a inserção do projeto de lei na atual estrutura de gestão da ética, quanto sua efetividade, dada a forma que assume o sistema político brasileiro, com sua pressões inevitáveis na governabilidade, e dado o ethos próprio da administração pública brasileira. Por fim, como conclusão, o texto procura avaliar o impacto que esse projeto pode ter, levando-se em conta as dificuldades particulares que surgem em função das características próprias da administração pública brasileira, em especial o problema do "loteamento" de cargos públicos como parte da estratégia do Executivo para construir sua base política no Parlamento.